Túmulo de Tiago - irmão de Jesus


27/10/2002
Para os católicos, ele era parente, primo de Jesus. Os protestantes acham que era irmão. Tiago foi um dos apóstolos. Trinta anos depois da morte de Cristo, foi chamado ao templo de Jerusalém. Convocado a rejeitar a fé em Jesus, negou-se. Foi apedrejado até a morte.
A descoberta que causa polêmica é uma urna de calcário. Nela, teriam ficado os ossos de Tiago. Na urna, uma inscrição em aramaico, a língua falada por Jesus Cristo: Tiago, filho de José, irmão de Jesus.
O que está escrito na Bíblia sustenta a fé dos cristãos. Mas a busca por provas materiais da existência de Cristo deu poucos resultados até agora. Não há acordo nem mesmo na hora de definir como era a aparência de Jesus.
Na Santa Ceia de Da Vinci, nos filmes de Hollywood... Jesus já foi representado como loiro de olhos azuis. Mas um estudo patrocinado pela rede britânica BBC deu resultado diferente. O formato da cabeça foi baseado num crânio do primeiro século. Os traços do rosto seriam os de um judeu palestino daquela época. Seria esta a face de Cristo?
A história de Jerusalém no período de Cristo foi escrita por Flávio Josefo. É motivo de polêmica há três séculos. A única menção a Jesus pode ter sido incluída no livro depois da morte do autor. Nos manuscritos do Mar Morto, uma das maiores descobertas arqueológicas da história, não há nenhuma referência a Cristo.
A mais antiga está num fragmento de papiro, descoberto no Egito. Teria sido escrito um século depois da crucificação.
Só em 1962, arqueólogos encontraram uma inscrição mencionando Poncio Pilatos, tido como o homem que condenou Jesus à morte. Seis anos depois, em Jerusalém, a prova de que a crucificação era um método de tortura e morte usado pelos romanos. Arqueólogos encontraram ossos perfurados por pedaços de metal numa caverna de Jerusalém.
Em Turim, está o objeto mais diretamente associado a Cristo. O Santo Sudário, relíquia mais investigada na história humana. Teriam estas marcas sido deixadas pelo corpo de Jesus? Testes aprovados pelo Vaticano em 1988 concluíram tratar-se de uma falsificação medieval. Mas os resultados foram contestados - o mistério continua até hoje.
Por isso a descoberta da urna funerária causou grande impacto. Seria a prova, em pedra, da existência de Jesus. Ela foi encontrada com um colecionador que quer ficar no anonimato. Os exames já comprovaram que a urna é feita de um calcário comum em Jerusalém. Ela está coberta por camadas de resíduos que só se formariam ao longo dos séculos.
A autenticidade da urna de pedra ainda não está sendo contestada. Mas arqueólogos e historiadores dizem que não há provas de ligação entre ela e Jesus de Nazaré. Afinal, os nomes escritos na urna - Tiago, José e Jesus - eram muito comuns em Jerusalém, poderiam ser de outra família que não a de Cristo.
Hershel Shanks é o editor da revista que divulgou a descoberta. Diz que raramente o nome de um irmão era incluído numa urna funerária. Quando Tiago foi morto, diz ele, era um líder cristão conhecido. Trinta anos tinham se passado da morte de Jesus, que era mais conhecido ainda. Foi o que convenceu o editor da revista de que a inscrição na urna é uma menção à família de Cristo. Quem mandou fazer a inscrição teria reunido os nomes de três personagens do novo testamento: Tiago, José e Jesus.
Se ele tem razão, esta seria a mais antiga e a maior prova arqueológica da existência de Cristo. Mas ainda é cedo para dizer se a descoberta será aceita pela maioria dos historiadores, ou se vai apenas acrescentar mais mistério à história de Jesus de Nazaré.

As palavras de Jesus

27/10/2002
O Fantástico pediu a um brasileiro especialista em aramaico que pronunciasse as palavras inscritas na urna de Tiago.
"Era a língua de todo dia, que as famílias, em casa se falava, portanto Jesus certamente usou o aramaico em seus discursos, em suas falas com as pessoas", explica o tradutor e teólogo Rudi Zimmer.
A Bíblia conta que Jesus fez curas milagrosas. Quais palavras ele teria pronunciado em aramaico quando curou uma menina?
"Ele chega, pega na mão, e diz: 'talita, umi', quer dizer, menina, levante-se. E ela realmente levantou. Foi a expressão que ele usou para chamá-la à vida. E no outro momento em que ele diz 'efatá!' Abre-te! Quando ele cura um cego, passa um barro nos olhos e diz: abre-te! Efatá!", conta o tradutor e teólogo.
Rudi Zimmer diz que alguns dialetos do aramaico são usados hoje em certas regiões do Oriente Médio. Mas o aramaico que Jesus falou há dois mil anos na Palestina não existe mais. É uma língua extinta.
"Tiago, filho de José, irmão de Jesus", diz Rudi Zimmer.


Legenda:
Uma urna de pedra com inscrições em aramaico apresenta as palavras "Thiago, filho de José, irmão de Jesus". Para especialistas, esse pode ser o mais antigo objeto a indicar a existência de Jesus


Um pedaço da história de Jesus
John Noble Wilford
Do New York TimesNova York

Uma urna de pedra com inscrições numa língua usada há dois mil anos - que, acredita-se, tenha sido encontrada em Jerusalém ou nas proximidades da cidade - apresenta as palavras "Tiago, filho de José, irmão de Jesus". Para especialistas, essa urna pode ser o mais antigo objeto a indicar a existência de Jesus. A análise da inscrição em aramaico foi feita pelo especialista da Universidade de Sorbonne André Lemaire e publicada esta semana na revista "Biblical Archaeology Review".

Se a inscrição for autêntica e, de fato, se referir a Jesus de Nazaré, será a mais antiga documentação conhecida sobre Jesus fora da Bíblia. A revista, que divulgou ontem o achado, classificou-o como "a primeira descoberta arqueológica a corroborar as referências bíblicas a Jesus".

- Essa será provavelmente a maior descoberta relacionada ao Novo Testamento da minha geração, tão importante quanto os Manuscritos do Mar Morto - comparou Ben Witherington, professor de Novo Testamento do Seminário Teológico Asbury, em Lexington, Kentucky. - Ela nos dá indícios, fora da Bíblia, de que essas pessoas (Tiago, José e Jesus) eram reais e importantes.

Outros especialistas, no entanto, reagiram com cautela. Segundo eles, embora a existência da urna seja importante e instigante, provavelmente será impossível confirmar a ligação entre a inscrição e as figuras centrais da fundação do Cristianismo.

Uma fraude também não pode ser descartada, alegam, embora o estilo da escrita e um exame microscópico da superfície das inscrições da urna tenham reduzido as suspeitas. Uma investigação conduzida por pesquisadores da Geological Survey of Israel não encontrou indícios do uso de pigmentos ou ferramentas modernos, nem qualquer outro sinal de adulteração.

Suposto irmão de Jesus morreu no ano 63

Estudiosos da Bíblia sustentam que apesar de os indícios que apontam uma ligação com Jesus serem circunstanciais, eles são fortes.

Embora Tiago (Jacob ou Ya'akov), José (Yosef) e Jesus (Yeshua) fossem nomes comuns naquela época e lugar, seria muito pouco provável que eles aparecessem nessa combinação específica encontrada na inscrição.

As palavras, em aramaico, "Ya'acov bar Yosef akhui di Yeshua" foram gravadas numa urna funerária de pedra, conhecida como ossário, que, supostamente, abrigou os ossos de um homem chamado Tiago, morto no primeiro século da era cristã.

Há diversas menções no Novo Testamento a um irmão de Jesus chamado Tiago que, logo após a crucificação de Cristo, se tornou líder da nascente comunidade cristã em Jerusalém. Segundo Flavio Josefo, historiador do primeiro século da era cristã, Tiago foi executado por apedrejamento por volta do ano 63.

O Tiago do ossário poderia ter sido qualquer um, mas o restante da inscrição diminui, significativamente, as possibilidades. Em primeiro lugar porque, seguindo uma prática comum da época, seu pai está identificado, e, no caso, é um José. Raro, no entanto, seria o nome de um irmão do morto ser acrescentado à inscrição, salvo se o irmão fosse alguém proeminente. O apóstolo Tiago pode ter querido proclamar pela última vez seu parentesco com Jesus.

André Lemaire, que é um respeitado especialista em inscrições do período bíblico, calculou a probabilidade estatística de os três nomes ocorrerem nessa combinação específica e concluiu que seria mínima. Provavelmente, ao longo de duas gerações do século I em Jerusalém não mais do que 20 pessoas poderiam se identificar como "Tiago, filho de José, irmão de Jesus" e poucos destes seriam enterrados num ossário com inscrições.

Origem do ossário é desconhecida

"Parece muito provável que este seja o ossário de Tiago do Novo Testamento", escreveu Lemaire, no artigo publicado na "Biblical Archaeology Review". " E, se é assim, também significa que temos aqui a primeira menção epigráfica, de cerca do ano 63, de Jesus de Nazaré", diz Lemaire. Em outras partes do artigo, no entanto, ele reconhece que "nada na inscrição do ossário confirma a identificação" desse Tiago como o da tradição cristã.

Mas existe ainda um outro problema, apontado pelos especialistas: a origem do ossário. De alguma forma, a urna teria parado nas mãos de saqueadores que a venderam no mercado de antigüidades. Segundo Hershel Shanks, editor da revista, o ossário pertence hoje a um colecionador de Jerusalém que prefere se manter no anonimato. Como a urna não veio de uma escavação controlada, onde arqueólogos estudam cada detalhe para criar o contexto histórico da descoberta, os especialistas dizem que é difícil determinar com segurança absoluta o significado da inscrição.

- Pode ser algo genuinamente importante, mas nunca poderemos ter certeza - afirmou P. Kyle McCarter Jr., professor de estudos bíblicos da Universidade Johns Hopkins. - Não saber em que contexto o ossário foi descoberto compromete tudo o que poderíamos dizer sobre ele e, por isso, as dúvidas persistirão.

O arqueólogo Eric M. Meyers, diretor do programa de pós-graduação em religião da Universidade Duke, levanta ainda outra questão. Segundo ele, supondo que, de fato, a inscrição se refira a Jesus Cristo, ela "não nos diz nada que já não soubéssemos". Meyers e outros especialistas concordam que a alegação de Jesus ser uma figura histórica é algo estabelecido há tempos.

Antes dessa referência, segundo a "Biblical Archaelogy Review", a mais antiga menção a Jesus encontrada está num pedaço de papiro contendo um fragmento do Evangelho segundo João, escrito em grego por volta do ano 125. A maioria dos textos do Novo Testamento data de mais de 300 anos depois da época de Jesus e pouquíssimos objetos antigos descobertos se referem a figuras dos evangelhos.


Uma nova polêmica na fronteira entre a fé e a História
Luiz Paulo Horta

Tudo o que se refere ao Cristo histórico - isto é, o que se pode saber, independentemente dos Evangelhos, desta figura que viveu no primeiro século da nossa era - está carregado de magnetismo. O magnetismo é tão forte que a lenda invade, constantemente, o terreno da História. Basta pensar nas narrativas ligadas ao Graal (o cálice usado pelo Cristo na Última Ceia), e nas "relíquias" da cruz que circulavam por toda a Idade Média. Até hoje, não acabamos de concluir se é falso ou verdadeiro o chamado Sudário de Turim.

Aparece, agora, uma urna mortuária, que teria dois mil anos, com a inscrição "Tiago, filho de José, irmão de Jesus" - fato considerado suficientemente raro para abrir todo um novo capítulo da arqueologia aplicada a Jesus Cristo. Pode-se esperar por um imenso debate científico regado a interpretações religiosas. Num primeiro momento, é impossível atribuir um valor definido a essa descoberta. Não sendo os Evangelhos um livro de história (ou de reportagem) no sentido moderno, afirmações "científicas" nesse terreno são sempre precárias. Quem seria esse Tiago, por exemplo, supondo que a urna seja autêntica, e que se refira a um personagem das Escrituras? Se é, como sugere a inscrição, parente de Cristo, então não é o Tiago chamado "Maior", irmão de são João, um dos 12 apóstolos, venerado em santuários como o de Compostela. Mais provavelmente, seria um apóstolo, mas não dos 12 originais: o líder dos cristãos de Jerusalém, autor da epístola que traz o seu nome, e que foi, ainda no tempo de são Pedro, considerado um dos "pilares da Igreja".

Se for ele mesmo, era parente de Jesus pelo lado materno, conforme o capítulo 13 (v. 55) de são Mateus: "Não é este o filho do carpinteiro? Não é Maria a sua mãe? Não são seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?". Texto altamente polêmico, do qual já se quis concluir que Jesus teve irmãos carnais. A tradição e os dogmas da Igreja de Roma sustentam que não, lembrando o fato de que, no hebraico ou no aramaico, "irmão" também podia ser "primo". Também há quem diga que seriam filhos de um primeiro casamento de são José. Se se tratasse de irmão "inteiro", por que o Cristo, do alto da cruz, teria confiado a Virgem Maria ao apóstolo João, e não ao que seria a sua família legítima?


JACK MEINHARDT

'A urna só pode ser autêntica'

O editor-assistente da revista "Biblical Archaeology Review", Jack Meinhardt, diz que testes geológicos e paleográficos provaram que a urna tem cerca de dois mil anos e veio da região de Jerusalém. Numa entrevista por telefone, ele explicou como a descoberta foi realizada.
Juliana Braga
Do GloboNews.com

Onde a urna foi encontrada?

JACK MEINHARDT: A urna pertence a um colecionador. Ele comprou a peça num antiquário de Israel há cerca de 15 anos.

Como se descobriu que o ossário tinha tamanha importância?

MEINHARDT: O colecionador sabia que havia a inscrição "Tiago, filho de José, irmão de Jesus" e que a urna era do século I. Mas, como esses eram nomes freqüentes na época, ele achou que o ossário pertencera a uma família comum. Numa festa, o colecionador conheceu André Lemaire e falou com ele sobre a urna. Lemaire concordou que os nomes eram comuns, mas observou que era raro encontrá-los na mesma linhagem. Além disso, em inscrições antigas a forma "filho de" era comum porque se tratava de uma sociedade patriarcal, porém irmãos não eram mencionados.

A referência seria uma indicação da importância desse irmão?

MEINHARDT: Jesus pode ter sido mencionado por ser uma pessoa famosa em seu tempo. Mas seu nome também pode ter aparecido porque era freqüente depositar os ossos de uma mesma família numa urna comum. Mas essa urna hoje está vazia.

É possível provar que o ossário realmente pertenceu à família de Jesus?

MEINHARDT: Não há provas, mas é muito pouco provável que se trate de uma farsa. Realizamos testes geológicos que provaram que a urna tem dois mil anos e que é feita com a pedra de Jerusalém. A inscrição está em aramaico (uma das línguas mais faladas pelos judeus de então) e não em hebraico. As formas das letras também são características do primeiro século. Elas foram analisadas por André Lemaire e também por outro especialista em paleografia (ciência que decifra os escritos antigos). Só pode ser autêntica.

O que será feito com o ossário?

MEINHARDT: Ele continua a pertencer ao colecionador. Mas deverá ser exibido no Museu Real de Ontário, no Canadá, em novembro. Esperamos que a exposição possa viajar por todo o mundo. Também está sendo realizado um documentário sobre a história do ossário, que será exibido pelo Discovery Channel.